quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Nosso Comércio...

Monte Azul Paulista tinha uma rua chamada Do Commércio. Também tinha o Largo da Matriz, o Largo do Mercado, o Largo do Theatro, a rua da Estação, a rua 15 de Novembro, além das ruas que existem até hoje com o mesmo nome, como a Marechal Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto, rua (de) São Pedro, rua (de) São João, enfim, o centro da cidade, todo planejado e com várias construções, já tinha em menos de 20 anos de fundação, quando nosso jornal foi fundado, um planejamento sendo executado com sucesso.
As principais ruas possuíam comércios bem estruturados, sendo a rua São Pedro a principal rua de comércio, onde famílias como Daud, Renucci, Pardi, Cione, Eluf, Bittar, Aidar, Kfouri, Thomé, Severino, Galasso, Rossetti, e outros, mantinham seus negócios. Eram tempos em que a maior parte da população vivia em propriedades rurais, mas muitos comerciantes conseguiam enriquecer pois a concorrência era limitada, apesar das muitas lojas similares. 
Hoje, cem anos depois, temos outro cenário, com a concorrência muito maior graças principalmente à internet, que fez com que o mundo parecesse menor. Mesmo assim, temos comerciantes que conseguem ter muito sucesso, e seguem tentando se modernizar e manter seus negócios com solidez. Também sabemos que a crise que atinge atualmente o Brasil afetou o nosso comércio de forma devastadora, transformando por exemplo a mesma rua São Pedro em alguns pontos num local fantasma, com vários edifícios fechados, prontos para alugar ou vender.
Os desafios de nosso comércio são o destaque deste suplemento especial, que procuramos trazer aos nossos leitores um pequeno panorama do que aconteceu nesses 122 anos de História de nosso município, fundado em 29 de junho de 1896.
Procuramos também em nossos arquivos e através de nossos leitores algumas poesias, ou poemas, que fala de nossa terra de modo especial, alguns já publicados em nossas páginas, e que merecem ser recordados. Nossos escritores e poetas são muitos, nossos artistas também demonstram seu amor pela terra em que viveram, e mostram através de seus versos e escritos, de modo muitas vezes bem particular, o quanto foram influenciados pela cidade e seu modo de vida, inclusive ao comporem o Hino Municipal Oficial. São estes poetas e escritores, assim como os nossos colunistas e colaboradores que sempre nos brindam com Histórias de nossa cidade e região, que nos ensinam a viver a vida de forma leve e sempre aprendendo. Somos seus alunos eternos. Que tenham uma boa leitura. 


Rua Floriano Peixoto vista da torre da Igreja Matriz em 1910 e 2015.
Um conto imaginado...

Bazar Carlos Gomes, do fundador
de O Município (A Comarca), em 1917.
Meu nome é Cassiano Felipe Alves. Sou também conhecido como Felipe Cassiano. Vou contar um pouco de uma história que ajudei a construir de forma muito particular, mas que pouco existe a meu respeito, escrito ou documentado, e muito menos fotografado. É o início de uma cidade, início de um sonho, que procuro descrever de forma bem particular. Segue o que eu talvez teria feito, caso tivesse sido documentado. Aqui é uma pequena ficção, que pode ajudar a nos situarmos no tempo em que tudo aconteceu.
Era o ano de 1896. Minha esposa havia se recuperado de uma grave moléstia, estava bem de saúde, e eu agradecido ao Senhor Bom Jesus, que me deu a graça de continuar desfrutando de sua presença tão necessária à minha vida. Segundo minha consciência e, especialmente uma promessa que havia feito de que, se ela se recuperasse daria uns alqueires de terra para a igreja, minha fé deveria ser provada, e para isso precisaria da ajuda de outras pessoas, amigos e companheiros, que com certeza também tinham muito a agradecer a Deus, ao Senhor Bom Jesus. Meu amigo Joaquim da Costa Penha, o “Capitão Neves”, assim chamado devido a um compadre que muito admirava, Augusto Neves, foi o que mais me ajudou no intuito. Éramos proprietários de terras vizinhas. 
Marcamos uma reunião com diversos proprietários vizinhos, como os membros das famílias Dias, Melo Junqueira, Junqueira, Rangel e outros que não me recordo os nomes. Todos gostaram da ideia da construção de um novo vilarejo e concordaram em ajudar no que fosse necessário. Assim, indicaram um local na divisa de duas fazendas, no alto de um espigão. Combinamos então de seguirmos para marcar o local.
Era um dia quente, com uma chuva intermitente insistindo em nos causar dificuldades. Os cavalos não se importavam, aparentemente, com o que acontecia, mas as andanças pelas fazendas Avanhandava (devido ao rio de mesmo nome) e Palmeiras ou Cachoeirinha (esse devido a um rio também de mesmo nome) seguiam, procurando o local indicado para tentarmos instalar o marco do novo patrimônio, da nova vila. Seguimos com os cavalos e muitas vezes a pé até o ponto indicado pelos amigos e ao chegarmos lá podíamos observar a vasta paisagem que nos cercava, ainda com muita floresta nativa, pastos e algumas plantações, mas já debaixo de uma chuva mais vagarosa, quase parando. Sim, era ali o local onde podíamos vislumbrar um novo destino, um novo patrimônio para a igreja católica, com muita fé e amor reservados àqueles que se dispusessem a nos ajudar e àqueles que viriam num futuro ainda imaginado. 
Ao chegarmos, Romualdo Antonio Pereira (ou Romuardo de Tal) nos ajudou impetuosamente com o serviço, limpando uma área com foice e facão junto a uma grande e majestosa perobeira e um imenso coqueiro, e cortamos com machado o tronco de uma árvore para fazermos a cruz de um marco inicial, de onde sairia a planta de um novo vilarejo, onde esperávamos se tornasse uma cidade um dia, onde a paz, o amor, o trabalho, a educação, a fé e o progresso reinariam. Mais um sonho estava eu tentando realizar junto com os meus amigos. E dessa vez com certeza teria resultados muito bons.
Após um tempo, levantamos uma cruz, ou cruzeiro, do marco inicial do que seria o patrimônio do Senhor Bom Jesus. Era o dia 29 de junho, dia de São Pedro. Com o sol que surgia num céu de azul indescritível, e a pequena colina que se destacava como um monte que se igualava ao azul do céu, surgiu assim Monte Azul, que mais tarde seria apelidada de Princesinha da Colina, e teria acrescentado ao nome o termo Paulista, após muitas mudanças de nomes.

Croqui feito em 1947.
Comerciantes

O livro do historiador João Francisco Massoneto, “Monte Azul Paulista – A história da sua existência”, menciona em uma de suas páginas que o município tinha no ano de 1908, há 110 anos, 8 (oito) mil habitantes, sendo dois mil na área urbana e seis mil na área rural. Também acrescenta que, apenas três anos depois, o município já estava com cerca de 15 (quinze) mil habitantes. Detalhe: a população urbana se mantinha apenas em dois mil habitantes, sendo que a população rural havia aumentado, ou seja, mais que dobrou a população que vivia na área rural, na época em que o café era a principal economia do país, e em nosso município as colônias das fazendas é que movimentavam o comércio local.
Assim, imaginemos a nossa cidade, que tinha apenas 330 casas construídas (atualmente, apenas um bairro, São Felipe, tem 275 casas), com 32 em construção (em 1911), recebendo no início do mês os colonos das fazendas, que vinham comprar no comércio local os produtos que não produziam nas fazendas, como tecidos, sapatos, chapéus, produtos de ferro, remédios e tantos outros. Com certeza muitos comerciantes conseguiram se manter desta forma naqueles primeiros anos de nossa cidade. E é um pouco desta história, de nossos comerciantes, que falamos nessas páginas especiais de aniversário de 122 anos de fundação de Monte Azul Paulista, que comemoramos no dia 29 de junho.
O INÍCIO
Alfaiatarias, ferrarias, serrarias, secos e molhados, lojas de tecidos, sapatarias ou calçados, farmácias, relojoaria, açougues, livrarias, restaurantes, hotéis, confeitaria, barbearias, consultórios médicos, dentistas, fotógrafo, máquinas de beneficiamento, ourives, fábrica de sabão e fábrica de cerveja são os principais comércios daquela época, segundo muitos uma época dourada pelo café que tanta riqueza gerou.
Daquela época temos hoje duas importantes lembranças: as farmácias São Pedro e Moderna, atualmente mantidas por outras famílias, também muito admiradas e respeitadas. Muitos dos nomes mencionados no livro de Massoneto se mantém no comércio monte-azulense, através de seus descendentes, mas comercializando outras coisas, como a Distribuidora de Bebidas Avelino Gomes, cujas famílias começaram com tecidos e armazém de secos e molhados. Outras famílias tiveram seus descendentes se transformando em proprietários de terras ou profissionais em outros ramos, ou até mesmo mudando de nossa cidade. Nossa cidade não cresceu muito, mas tivemos ciclos em que a economia era muito forte, com renda per capita elevada, e ciclos onde parecia que tudo ia acabar, como por volta de 1935, ou até mesmo atualmente. Apesar de pequeno, em nosso município sempre houve empreendedores que movimentavam a economia, fazendo com que o comércio se mantivesse por muito tempo entre um dos melhores da região.
Até 1929, quando ocorreu a crise do café, reflexo da crise mundial, a economia monte-azulense seguia muito bem, repleta de bens e serviços que se valorizavam constantemente. A cidade mudava naquela década de 1920. Em 1922, por exemplo, consta que o município tinha 12.910 habitantes, novos edifícios construídos por proprietários de cafezais e principalmente por comerciantes, que viviam na cidade, ao contrário da maioria dos proprietários de terras. Indústrias surgiram, estabelecimentos bancários, profissionais liberais, e todo tipo de comércio. Os armazéns de secos e molhados se proliferaram pela cidade, e muitos enriqueceram na época. Podemos mencionar diversas lojas dessa época, que publicavam seus anúncios em nossas páginas, na época jornal “O Município”. O proprietário e fundador de nosso jornal, José Cione, tinha a sua loja à rua Marechal Deodoro, chamada “Bazar Carlos Gomes”, onde vendia desde guarda-chuvas até sementes, sapatos, tecidos e livros, entre outros, e funcionava também ao lado a tipografia com o mesmo nome do jornal. Tínhamos na cidade uma agência de veículos Ford, que eram muito caros e poucos podiam ter à época.
OS PRIMEIROS
Os primeiros dez anos de nosso município foram de desbravamento, quando tudo precisava ser descoberto, criado, motivado e realizado de uma forma que pudesse permanecer e ajudasse a crescer, se desenvolver. Como a nossa História mostra, a criação do patrimônio surgiu a partir de um fiel católico, que, junto com outros fiéis, cumpriram suas promessas de fé e doaram terras e outras coisas para que se viabilizasse. Assim, a partir do marco inicial, uma cruz foi colocada num local onde atualmente está a praça Rio Branco e, em 1902, foi criada a Paróquia do Senhor Bom Jesus, fundamental para que o sonho se concretizasse. A igreja católica apoiando sempre foi importante para que o sucesso fosse alcançado. E, assim, ao seu redor começaram a surgir os novos habitantes, além dos fundadores que ali já se encontravam, que conseguiam seus locais de forma incentivadora, sendo atraídos pela riqueza emergente do café, que se espalhava por todo o interior. Todos vinham por livre e espontânea vontade, atraídos pela paisagem e pela tranquilidade do local, além da economia, é claro.
NACIONALIDADES
Vinham para o novo município famílias de diversas nacionalidades. A escravidão, que em Monte Azul nunca existiu, havia terminado há menos de 20 anos, e em nossa região as grandes fazendas estavam recebendo os imigrantes europeus, asiáticos e do oriente médio para serem os contratados junto com os ex-escravos que aqui permaneciam. Na nova cidade os novos comerciantes chegavam e se instalavam, muitos com sucesso. No livro de João Massoneto vemos os nomes e sobrenomes (alguns abrasileirados) dos primeiros comércios e comerciantes, e é fácil perceber de onde vieram: Elias Daud, Assad Chaim Thomé, Moyses Kfouri, José Cione, João Bittar, Januário Pardi, João Rossetti, José Galasso, José Renucci, Gabriel Said Aidar, David Sperli, Pedro Severini, Assad Calil, Manoel Avelino, Francisco Pirelli, Horta e Rollemberg, Hugo Kohlmann, Leão Pardo e Plaza, Ildebrando de Assis Pinto, Paulino Ramos, Sebastião Leite, José Henrique de Carvalho, Manoel José da Silva, entre outros. Portugueses, italianos, espanhóis, sírios, libaneses, franceses, alemães, etc. Era o Brasil moderno, mais miscigenado, se formando em nossa pequena cidade, onde a maioria dos proprietários rurais era formada ainda pelos portugueses e seus descendentes.
Nos anos da década de 1930 tudo mudou, infelizmente para pior, pois a crise mundial atingiu o país de forma dramática, e o café, principal economia da época, deixou de ser atraente como antes. Foram cerca de 15 anos difíceis, até o fim da Segunda Guerra Mundial, quando então o Brasil se tornou uma importante peça para a recuperação mundial, com os Estados Unidos vendo com bons olhos investir aqui. 
O nome Monte Azul Paulista surgiu em definitivo em 1948, voltando a ser atraente investir no município, e sua paisagem se tornou referência de organização espacial e cuidados com a estrutura, onde os administradores passaram a valorizar a cidade com diversos investimentos públicos, como hospitais, maternidades, escolas, clubes sociais, calçamento de ruas, iluminação, caixas d´água para abastecimento, praças de lazer, etc. Tudo isso movido ainda pelos trilhos ferroviários, que aqui chegaram em 1910. Era a principal ligação de nossa cidade com o mundo, que seguiu até 1968, quando foi desativada a linha. Foram substituídos, desde a década de 1960, pelas estradas rodoviárias, como em quase todo o país. As ruas São Pedro, São João, Dr. Cícero de Morais e Floriano Peixoto e a praça Rio Branco se mantiveram como principais eixos comerciais, com os armazéns, lojas de tecidos, farmácias, bancos, sapatarias, bares, sorveterias e restaurantes, entre outros, dominando a paisagem.
Monte Azul Paulista seguiu progredindo, mas de forma mais lenta, até a década de 1970, quando as rodovias já asfaltadas ligando a região começaram a receber em suas cercanias as plantações de laranja, que se tornariam o novo café da região, e até do país, gerando uma renda inimaginável para a população aqui residente. Tínhamos ao final da década de 1980 um PIB (Produto Interno Bruto) per capita equivalente ao dos países mais ricos do mundo, onde os governantes podiam se aproveitar da situação e ganhar qualquer eleição, pois verbas tinham de sobra. O município cresceu, melhorou bastante, mas as administrações municipais parecem não ter percebido o bom momento e não souberam lidar muito bem com isso. Investiram pouco no principal setor, o educacional, onde poderiam ter criado meios para promover o empreendedorismo, pois dinheiro para investir existia. Muitas empresas poderiam ter sido criadas na época, apesar de todos estarem de olho na principal riqueza, a laranja.
CRISE
O ciclo da laranja acabou em nosso município quando este século iniciou, dando lugar a um setor importante, a indústria de bombas submersas, que segue até hoje como um dos, senão o mais importante, gerando empregos e impostos mais constantes, e ajudando a manter o comércio monte-azulense. Infelizmente, é difícil competir com grandes redes e, principalmente, o comércio eletrônico, que domina a internet. No campo, o novo ciclo canavieiro beneficia poucos, pois gera poucos empregos. Assim, menos pessoas com empregos, menos vendas no comércio, e desde então temos muitas lojas abrindo e fechando, poucas permanecendo. Alguns conseguem sucesso graças a exclusividades ou diferenças em serviços ou ideias, que devido a fatores exclusivos, como localização, franquia ou bom marketing, entre outros, conseguem sucesso. Chegou o tempo das marcas, que conseguem imprimir ao comércio algo exclusivo, ou quase, e a população acaba comprando a ideia quando é realmente diferenciada. O Boticário, Natura, Magazine Luiza, Eletrozema, postos de combustíveis com lojas de conveniência, lanchonetes, bares, academias de ginástica, sorveterias, redes de supermercados, enfim, diversos comércios com filiais na região, são destaques de nosso comércio. Infelizmente, pontos importantes da cidade se transformaram em problema, pois o aluguel se tornou muito caro e parece que os proprietários ainda não perceberam isso. A rua São Pedro é um exemplo de como a crise atingiu o comércio monte-azulense neste século, especialmente nos últimos três anos. Até o fim da década de 1990 era a principal rua de comércio. Atualmente, em especial no primeiro quarteirão, a situação é alarmante. De catorze imóveis para comércio, apenas seis funcionam atualmente, os outros estão fechados.
SUCESSO
Em compensação, outras ruas se tornaram sucesso de vendas, mesmo com a crise. A rua São João, com o maior supermercado da cidade, Iquegami, se tornou uma rua bem movimentada, repleta de comércios que se instalaram nos últimos dez anos ali e conseguem boas vendas, com um ótimo movimento, tendo sorveterias, lojas de roupas e bijuterias, restaurantes, loja popular de diversos produtos, lojas de brinquedos e calçados, farmácia de rede, entre outros, praticamente sem imóveis disponíveis para alugar ou vender, tamanha a procura. Paralelamente, a rua Treze de Maio também se transformou em importante corredor comercial, onde diversas lojas foram instaladas e se mantém com relativo sucesso.
Muitos desafios o comércio monte-azulense tem pela frente, mas os casos de sucesso demonstram que tudo pode ser possível, desde que uma administração moderna, sem medo e com muita pesquisa e dedicação, logicamente com produtos de qualidade a preços atraentes, seja o principal foco. No comércio, os desafios são permanentes, é preciso se atualizar sempre, e nunca ter medo da concorrência, apenas respeito. Com certeza, o futuro do comércio com lojas físicas será esse, em paralelo ou em conjunto com a internet, que deve ser uma parceira complementar. 


Casa Renucci na rua São Pedro na década de 1920.
Casa Severino em 1928.
Monte Azul Paulista atualmente, em foto de Kassio Angeloni.

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